Chesterton e o Bispo intolerante

Considerando-se que hoje em dia a informação está ali na sua frente no click de um mouse, e os bytes viram megas gigas e teras, a impressão que tenho às vezes é que todo dia é dia de São Silvestre no asfalto da information highway. Eu acredito que a genética tem lá o seu papel no desempenho dos atletas e se o cérebro fosse um músculo alguns seriam um mini-Schwarzenegger-míster-universo cinzento.

No tempo da minha avó, as coisas eram mais simples, elas eram o que eram e ponto final. Ela não teve o benefício de uma máquina de lavar roupas, muito menos chegou sequer a ver um computador ao vivo e à cores. Mas quando se trata de informação e formação de consciência, facilidade e rapidez de acesso não se traduz em clareza e certeza. Muitas vezes precisamos de intérpretes.

Imagino quantas pessoas, como eu, desconheciam que em Malta não existe a lei do divórcio. A pouco mais de um ano, quando o Papa Bento XVI visitou aquele país, disse:

A vossa Nação deveria continuar a defender a indissolubilidade do matrimónio como instituição natural e sacramental, assim como a verdadeira natureza da família, como já está a fazer em relação à sacralidade da vida humana desde a concepção até à morte natural, e o verdadeiro respeito que se deve ter em relação à liberdade religiosa segundo modalidades que levem a um autentico desenvolvimento integral quer dos indivíduos quer da sociedade.

No próximo sábado, o povo maltês irá `as urnas votar num plebiscito sobre a implantação da lei do divórcio naquele país. Há controvérsias, e não era para ser diferente. Domingo passado, na missa em que adolescentes recebiam o Sacramento da Confirmação, o bispo Mario Grech disse em sua homilia:

Meu prognóstico é de que a vossa promessa não é uma promessa vazia… os adultos fazem certas promessas que provam ser palavras vazias, tanto que existem aqueles que querem acabar com o compromisso do matrimônio.

Temos muitas portas boas, mas quando você bate, elas não são as portas da vida mas portas que levam à destruição. A porta da vida é uma… Se queremos encontrar a porta certa na pressa … e os adultos entendem do que estou falando… não se enganem, existe uma única porta…

…ser políticamente correto e não dizer as coisas como elas são nos leva ao arrependimento. Existem malfeitores entre nós que estão se utilizando de todos os meios possíveis para levar o rebanho a se perder. Estão atacando o matrimônio e depois serão outras coisas.

Nós (a Igreja) devemos ser mais responsáveis na forma que administramos o sacramento do matrimônio. Todo mundo tem o direito de se casar mas nem todo mundo tem o direito de receber o sacramento do matrimônio…

Cuidado com o lobo em pele de cordeiro. E o lobo agora diz que ele é católico. Isso é uma falsidade, é enganação. Estou aberto ao diálogo com todos mas não sejam falsos, não mintam. Não se pode ser leal à Cristo e dizer-se cristão ou católico. Se você não está em comunhão com a doutrina de Cristo, você não está em comunhão com a Igreja e você não pode receber a Eucaristia… não podemos fingir estar em comunhão com a Eucarista.

Bispo Grech administrando o Sacramento da Confirmação no domingo

O lobo em pele de cordeiro se refere a um grupo que se auto-denomina católico e que é a favor do divórcio naquele país.

As palavras do bispo, como era de se esperar, causaram alvoroço. Foi chamado de intolerante, arrogante e ridículo.

Numa reunião ainda essa semana, o bispo Grech disse que o povo maltês deve comparecer às urnas. “É nosso dever votar, devemos mostrar aquilo em que acreditamos através da nossa participação.”

O Bispo Grech questionou que futuro está se oferecendo às famílias “se estamos considerando construí-las na areia ao invés de em terra firme. Se as famílias não são sadias, a sociedade não é sadia“. E disse também: “não podemos oferecer uma solução que seja errada.” Exemplificando, disse que “oferecer uma consulta numa clínica a uma adolescente grávida é a solução errada. Mandar um esfomeado roubar o mercado da esquina, também é uma solução errada“. Disse ainda que as pessoas devem pensar e fazer o que é certo. “O problema é que as pessoas estão confusas entre o que é certo e o que é errado“, disse ele.

Facilidade e rapidez; clareza e certeza.  A minha reflexão não é sobre a questão do divórcio, mas sobre a coragem e a liberdade de se poder afirmar suas convicções, mesmo que seja para ser tachado de “intolerante, arrogante ou ridículo”. Afinal isso também faz parte da coragem e da liberdade do outro de poder verbalizar as convicções dele.

Se não existe coragem para se defender a liberdade enquanto se é livre para isso, haverá coragem quando faltar liberdade? A própria liberdade pode ser cerceada em nome da liberdade? Mas o que é liberdade e qual será o legado que deixaremos para nossas crianças? “O problema é que as pessoas estão confusas entre o que é certo e o que é errado“, disse o bispo “intolerante”. O que me faz trazer aqui o pensamento de Chesterton.

O homem moderno diz: “Deixemos de lado esses padrões arbitrários e abracemos a liberdade.” Pela lógica, isso é o mesmo que: “Não vamos decidir o que é bom, mas que seja considerado bom não decidir”.

O homem moderno diz: “Fora com suas fórmulas morais ultrapassadas; eu sou pelo progresso.” Dito de forma lógica temos: “Não vamos decidir o que é bom; mas vamos decidir se possuímos mais”.

O homem moderno diz: “Nem na religião nem na moralidade, meu amigo, encontra-se as esperanças da raça, mas na educação.” Isto, expresso de forma clara, quer dizer: “Nós não podemos decidir o que é bom, mas vamos oferecê-lo aos nossos filhos.”

devemos mostrar aquilo em que acreditamos através da nossa participação. O bispo “intolerante” e Chesterton possuem uma coisa em comum: a coragem e a liberdade de afirmar suas convicções. Felizes foram os adolescentes malteses naquele domingo de crisma.

Update: Saiu o resultado do plebiscito em Malta. Leia mais

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3 respostas em “Chesterton e o Bispo intolerante

  1. Excelente! É impressionante ver num país tão pequeno um exemplo de como as coisas degringolaram fora dele. Há 40, 50, 60 anos as pessoas diziam as mesmas coisas em outros países: começa como divórcio, depois serão outros atentados à família, e os problemas virão. Foram taxados de retrógrados, obscurantistas.

    Hoje, os mesmos “partidos” que defenderam a desestruturação da família olham para os problemas na juventude e culpam… a desestruturação da família! É difícil encontrar tamanha cara-de-pau.

    E, de quebra, mostra a atualidade de Chesterton…

    Um abraço

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